quarta-feira, outubro 23, 2013

UTAX - Ultra Trail Aldeias do Xisto

O quê? Fazer 88km com 5 000m de desnível positivo a correr? Eu há um ano atrás diria que isso é coisa de loucos e alcance de pouca gente depois de fazer o Trail de 30Km (http://www.joaomarinho.com/2012/11/ax-trail-lousa.html). Também diria que não estava nos meus horizontes fazer ultra maratonas na montanha apesar de sempre ter gostado de correr. A vida dá muitas voltas e passado um ano já fiz algumas ultras e acabei por me inscrever no UTAX.

Só sabemos os nossos limites se os tentarmos ultrapassar, assim sendo, o máximo que tinha corrido num dia foi 50km portanto estava a elevar bastante a fasquia. Siga! 

Adoptado pela família Desnível Positivo, rumei novamente à Serra da Lousã. Uma viagem muito animada como é costume com ''personagens'' deste calibre. Chegamos cedo, instalamo-nos numa casa a 100m (Obrigado Querido, Bruno Querido) da partida que desta vez foi em Castanheira de Pêra. Jantamos tranquilamente e assistimos ao briefing. Devido às condições meteorológicas, a prova tinha sido encurtada 15km, ou seja, passou de 88km para 73km. Quando o briefing terminou, a chuva caía impiedosamente, mas as previsões apontavam para uma melhoria significativa do tempo. Pp Todos nós rezávamos para que isso acontecesse...

Já em casa começou ''cowboiada''...muito me ri até altas horas da madrugada. Eram historias, eram anedotas, eram ruídos ''estranhos'', ninguém pregou olho até tarde...
A alvorada às 04.00h da matina mais parecia um choque de 220V. Apesar de nem todos arrancarmos às 06.00h, todos combinaram estar na partida para apoiar o inicio de uma longa jornada pelos trilhos das Aldeias do Xisto. Durante 1.30h corremos na escuridão...eu feito 'inteligente' levei o frontal, não na cabeça, mas na mochila. Tive de andar sempre com o pessoal porque não queria parar para o colocar na cabeça...enfim, dêem-me um desconto!

Sobre o percurso:

O percurso de 88 km de distância inicia-se na Vila de Castanheira de Pêra, na Praça da Notabilidade, tomando a direcção Oeste para o Parque eólico no cimo da Serra da Lousã. Depois de percorrer cerca de 7 km no topo desta cumeada, inicia-se a descida para as aldeias do Catarredor e Vaqueirinho, e daí para as Aldeias do Xisto do Talasnal, Casal Novo e Chiqueiro (Lousã). É então que o percurso se dirige para o "Terreiro das Bruxas" e daí sobe para o Parque eólico de Vila Nova, já no Município de Miranda do Corvo. Ao chegar próximo das primeiras eólicas inicia-se a descida para o Gondramaz, onde se inicia um novo troço de percurso bastante técnico e de declive acentuado marcado pela presença da ribeira de Espinho, suas cascatas e pontes em madeira.  Ao final desta descida, segue-se por cacilhas, rumo à Lousã.

À entrada da vila, o percurso segue pelo Caminho do Xisto - Rota dos Moinhos, passando ao lado da Fábrica do Papel do Prado, e acompanhando a Ribeira de S. João para montante, em direcção a um dos principais locais de visita deste concelho: o Castelo de Arouce, ermidas e praia fluvial. É neste momento que começa uma longa subida, inicialmente de suave inclinação até à Central Hidroeléctrica, que aos poucos aumenta de desnível, oferecendo em compensação excelentes panorâmicas. Depois de percorrer a levada, e de um longo troço de trilho técnico, surge a Aldeia do Xisto do Candal. Aos poucos abandona-se a aldeia e surge um novo trilho em direcção à aldeia de Cerdeira. A passagem por esta Aldeia do Xisto adivinha o fim desta longa subida e depois de um último esforço começam a avistar-se os aerogeradores de Vilarinho e o Trevim (ponto mais alto da Serra da Lousã - 1205 m).


Fonte: AXTrail Series

Os primeiros kms foram tenebrosos, doía-me tudo, e ao fim de 20km já estava a fazer contas como iria terminar a prova. Paguei a factura das aventuras no Douro e Marão...No Trail os kms passam muito devagar, tens que ter perseverança e resiliência. Quanto estamos imersos nos trilhos o tempo passa lentamente, as dores acumulam-se e temos ter ir buscar energia a tudo, principalmente à nossa cabeça. Uma ultra maratona é muito mais uma questão de cabeça do que de pernas. Mas as ultimas dezenas de metros antes de cortar a meta, a felicidade aumenta exponencialmente, a emoção toma conta de nós e (quase) esquecemos o sofrimento das ultimas horas passadas nos trilhos.

Muitos trilhos já conhecia das visitas anteriores à Lousã, fossem elas para correr ou para pedalar. Esta serra tem trilhos para todos os gostos, um autentico ''playground'' com as encantadoras aldeias do Xisto espalhadas por todo o lado. Mas sempre que venho ''cá'' fico a conhecer mais recantos. Este UTAX revelou-me trilhos que não conhecia e que felizmente estão a ser recuperados para fins turísticos.

Voltando à prova, por volta do km 45 comecei a cruzar-me com os atletas que estavam a fazer o Trail da Serra da Lousa, no famoso trilho da levada. Para mim era bom porque já não via gente há muito tempo. Já passava das 5h que estava na montanha, as pernas estavam pesadas, mas ainda conseguia manter um trote ''rápido'', mas algo estava a acontecer...quando parei no abastecimento do km 50 estava quase KO. Parei, sentei-me, comi, bebi e até um batido de recuperação fiz. Perguntaram se estava tudo bem comigo, porque estava com um aspecto esquisito. O Rochinha e o Urbano (amigos da ADA) perguntaram até se eu precisava de alguma coisa tal era o meu ''estado''.

Depois deste abastecimento, veio uma parede que fiz a caminhar. Os bastões fizeram falta, mas cismei em não levar, as pernas que me perdoem...Quando terminou a parede a ''coisa'' ficou quase plana e comentei com outro companheiro de luta que também ia a caminhar, devíamos fazer isto a correr. Ao longe comecei a ver uns pontos coloridos a subir um corta-fogo e disse, vamos aproveitar para recuperar...

Subir o mítico Trevim até nem foi problema, apesar do frio e vento que se fez sentir lá em cima, o problema foi mesmo descer os corta-fogos em direcção à Capela do Santo António da Neves...A inclinação e o piso era demolidor... Depois veio um longo single-track que nos levou até ao ultimo abastecimento no Coentral. Aqui cruzei-me com o Taxa e o Dionísio da Desnível. O abraço que me deram, traduziu-se em força extra para os últimos 10km.

Já conseguia visualizar a meta na minha mente. O sofrimento apesar de se fazer sentir de uma forma intensa, iria terminar em pouco tempo. Estes últimos kms feitos em alcatrão, com algumas rectas intermináveis pareciam que custavam mais a fazer que os trilhos do meio da Serra. Só pedia que o trilho fosse o mais directo possivel à meta, isto é, para não andarmos às voltinhas com a meta à vista. Felizmente que este meu pedido foi (quase) totalmente concedido.

Depois de 9.50min, com vários milhares de metros de acumulado ao longo de 73km, regressei ao ponto de partida. Este meu esforço foi contemplado com a 17ª posição. Para mim que há um mês atrás estava terminar uma prova de BTT de 7 etapas (Mongolia Bike Challenge) seguidos de 1 100km no deserto, este resultado foi muito bom. Inacreditável mesmo!

O Diogo Almeida foi o herói da equipa ao terminar o UTAX e a sofrer até ao fim. Esperamos por ele com a animação que nos caracteriza, sendo a nossa presença junto á meta bastante 'ruidosa'. 
Todos os atletas que alinharam na Ultra ou no Trail terminaram as suas provas, com a excepção do Bruno que devido a lesão foi obrigado a desistir. Parabéns a todos, Ester, Diogo, Bruno, Artur, Vitor, Renato, Dioniso, Pedro e Ricardo! 

A organização do UTAX está a cargo da Go Outdoor dos amigos Fernando e Ana. Nota-se que trabalham por paixão, que gostam daquilo que fazem. Organizar uma ''brincadeira'' destas é desgastante e está sempre sujeito a falhas. Apesar de alguns problemas pontuais com as marcações, o balanço é positivo e as falhas são facilmente corrigidas para futuras edições. 

O meu irmão completou a ultra de 45km, sofreu bastante, mas teve a tenacidade suficiente para completar a prova. Quando passei por ele lá no meio da Serra e lhe dirigi umas palavras dizendo que tinha a mochila aberta, só reconheceu que era eu quando passei por ele. Esperei por ele na meta para lhe dar um abraço ao melhor irmão do mundo!!!

Seguiu-se o jantar de confraternização...tenho flash's do ''conbibio'', dos jarros de tintol, da mousse de chocolate e de alguém a gatinhar por baixo da mesa. Muitos acontecimentos se passaram no regresso a casa e mesmo dentro da casa, mas eu dormi que nem um menino e só acordei no dia seguinte.

Esperamos a entrega de prémios para ver a Ester a subir ao lugar mais alto do pódio. Uma prova impressionante que ela fez. Estás de parabéns ''máquina''!
Depois dos ''parabéns'' cantados em coro, distribui fatias de bolo de aniversários por todos os que estavam presentes. Foi uma bela maneira de celebrar o 30º aniversário, rodeado de amigos e com uma ENORME dor de pernas.

Uma nota de reflexão, no dia seguinte além de poder caminhar sem limitações, pedalei cerca de 3h tranquilamente. A dor de pernas estava lá, mas este 'sentimento' de querer e poder pedalar e caminhar foi inédito no dia seguinte a uma ultra. 
Será de ter feito uma melhor gestão do esforço? Será que o empeno é inversamente proporcional aos kms? Será que o meu corpo está a começar a habituar-se ao Ultra Trail? Será que eu tenho de aumentar (ainda) mais os kms para no dia seguinte querer e conseguir correr? Como alguém diz, 'vale a pena pensar nisto'.

Obrigado à Desnivel Positivo pela diversão. Sem duvida que esta equipa é uma referência no Trail nacional a todos os nivéis!
Obrigado à Ancorensis por ceder a carrinha ''mágica'' para nos transportar. 
Obrigado André pelas coisas que me emprestastes. Os bastões também deveriam ter vindo...
Obrigado a todos os que me cantaram os parabéns!
Obrigado à organização por mais um UTAX!

Venha a próxima...ULTRA!

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quinta-feira, outubro 03, 2013

Travessia do Gobi - Dia 0



Esta será a descrição em primeira pessoa da travessia de um dos maiores e inóspitos desertos do planeta, o Gobi. Foram centenas de kms em solitário, dormindo com famílias nómadas, abrigado em Gers, contemplando as dunas, ‘’conversando’’ com camelos e cavalos, resfriando o pensamento com vento siberiano. Tentar descrever em palavras será complicado porque foi uma vivência ao segundo, olhando o mundo de outra perspectiva. Leiam estes relatos de mente aberta e flutuem pela vossa imaginação. 

O Gobi ocupa um quinto do território da Mongólia e apesar de ser um deserto, é um local de uma riqueza arqueológica fascinante. Aqui encontrou-se o primeiro ovo de dinossauro e também os mais perfeitos fosseis destes seres do passado. Para quem não sabe, arqueologia e historia é algo que também me desperta muito interesse. 

A possibilidade de explorar o Gobi despertou em mim há umas semanas atrás um efervescente e irresistível sentimento de partir à descoberta. Algo que já não sentia há muito tempo e que vinha numa altura propícia da minha vida. Para quem não sabe, eu adoro partir à descoberta.
Bom, atravessar países, continentes, montanhas é uma coisa, atravessar um deserto é outra coisa bem diferente. A fasquia aumenta muito. É algo que não sabia se estava preparado, mas esse sentimento irresistivelmente apaixonante de descobrir um lugar totalmente novo em todos os aspectos cativa-me loucamente. 

Há cerca de 10 anos atrás seguia fielmente as crónicas do Sérgio Tolosa numa revista espanhola que tanto me fazia vibrar e esperar impacientemente pelo número seguinte. Sergio estava a atravessar os 7 maiores desertos do mundo de bicicleta com um atrelado. Quando li o artigo sobre a Mongólia e sobre o Gobi pedi que um dia me fosse concedida tal oportunidade.

Por incrível que pareça, este ano conheci o Sérgio durante a TransPyr e poucas semanas depois imaginem onde é que eu estava? Nada acontece por acaso...

Mas atravessar um deserto depois de uma competição tão exigente como a Mongolia Bike Challenge? Fiz essa pergunta a mim mesmo, pergunta retorica diga-se, porque a resposta era simples e objectiva, SIM! 

A questão que se colocava era como fazer a travessia dentro do tempo que tinha disponível. O deserto é imenso, tem muito que ver e para mim tudo era atractivo. Tinha que pedir ajuda a quem conhecia realmente o terreno. Antes de começar a MBC dei o ‘’toque’’ ao Batbayar da Mongolia Expeditions e que colabora com a prova. Apenas me disse ‘’ primeiro acaba a prova e depois falamos. Não quero estar a gastar o meu tempo sem teres a certeza do que te propões fazer no meu país…’’ durante semana de prova tentei concentrar-me nas etapas e acima de tudo em sobreviver ileso para continuar a ‘’conversa’’ com o Bat. 

Assim que terminou a prova, procurei regressar de imediato a Ulaanbaatar (UB) para ir ao encontro de Bat. Saí no primeiro transfer (às 04.00h) rumo ao aeroporto. Enquanto fui ao WC a carrinha que me trouxe foi embora. Não sabia que eu queria era ficar na cidade. Esperei no aeroporto que o Bat viesse entregar uma mala ao português Daniel Jesus que apanhava o seu voo de regresso à europa nesse mesmo dia. Isto não estava combinado, mas o Bat acabou por me dar boleia para a cidade e demos inicio à preparação da viagem que se iria iniciar…no dia seguinte. 

Tendo em conta as premissas postas por mim a nível de tempo, do que queria visitar e do que as minhas pernas poderiam dar, procuramos criar um waypoint fazível. Olhando o gigante mapa que tinha na parede do seu escritório, fui apontando os nomes das cidades em inglês porque em Mongol nem sequer conseguia pronunciar. O alfabeto Mongol utiliza caracteres totalmente diferentes, algo que se assemelha ao Russo. 

Para mim era tudo alcançável, mas Bat disse-me, ‘’Tu tens de considerar a possibilidade que isto pode não correr tão bem quanto tu imaginas, o Gobi é mesmo muito grande e se te perdes podes nunca mais ser encontrado’’. Isto poderia assustar-me, mas o efeito era o contrário, estava obcecado no início da aventura. 

Bat conhece toda a Mongólia, faz expedições organizadas nos mais exóticos locais do país. Isso dava-me mais alguma tranquilidade. Cedeu-me os mapas que tinha, pintou a rota que eu deveria seguir e deu-me alguns concelhos. Bat foi o meu ‘’anjo da guarda’’ desta aventura. Sempre aparece alguém no caminho para o ‘’iluminar’’.  

Havia duas possibilidades, ou saía a pedalar de UB e arranjava forma de regressar no final da aventura, ou então saía de UB de avião ou de bus. Depressa cheguei à conclusão que o melhor era sair de UB com tudo embalado rumo ao deserto e depois regressar a pedalar. Se o avião demorava 1.30h a chegar a uma pequena cidade no Gobi, o bus demorava mais de 24h pelas irregulares estradas da Mongólia. Procurei obviamente um bilhete de avião. Só à terceira tentativa consegui o bilhete que era o ultimo lugar disponível. A relação preço\rapidez da viagem era de longe superior ao desespero de viajar durante 24h num autocarro. 

Tinha que arranjar duas caixas, uma para a bicicleta e outra para o resto da tralha (atrelado, roupa, comida, etc.) Com as indicações do Bat fui ver se arranjava as tão necessárias caixas em lojas de bicicleta da cidade. Assim aproveitava e tentava substituir o prato pequeno da minha pedaleira que estava gasto e não tinha a ferramenta necessária. 

As caixas consegui encontrar, agora a ferramenta é que não. Ainda se tentou ‘’dar um jeito’’ mas a pedaleira não colaborou. Só pedia que não houvesse muitas subidas íngremes porque ia sentir falta da avozinha. Carregando as caixas às costas, atravessei a cidade até chegar ao hostel onde estava alojado. As minhas costas e os meus braços que me perdoem…

Próximo passo, comprar comida. Fiz 3 voos até chegar à Mongólia. No último que ligava Pequim a UB detectaram as garrafas de gás do fogão que levaria para cozinhar comida. Primeiro pensamento foi arranjar outras garrafas na cidade, mas depois pensei, talvez vá acontecer a mesma coisa neste voo entre UB e o Gobi portanto não vale a pena gastar tugriks (moeda mongol). Levo comida ‘’fria’’ e se precisar de água quente para os cup noddles (massa instantânea que é necessário juntar água quente para preparar) eu irei arranjar algures… no deserto. 

Utilizando a minha experiência de outras aventuras, seleccionei criteriosamente os alimentos para me tornar autónomo durante pelo menos 3 dias no deserto (pensava eu). A lista incluía pão, atum, cup noodles…gomas, chocolates, nutella Mongol, bolachas e mel.

Antes de fazer a mala, ainda houve tempo para um convívio de despedida com muita ''hidratação'' no Irish Pub com os atletas que participaram na MBC. Todos eles ficaram a saber dos meus planos e se uns estavam roídos de inveja, outros já não podiam ver a bicicleta à frente! Depois de uma intensa batalha num dos quartos do hostel para seleccionar o que levaria ou não levaria e que só terminou à meia-noite, estava com as malas feitas para ir à conquista do Gobi.  

Este foi o primeiro dia de uma intensa aventura que irei partilhar com vocês. 

Aguardem as cenas dos próximos capítulos que prometem ser intensos! 

Mais fotos na minha página de atleta no Facebook: https://www.facebook.com/marinhojoao






Video e Reportagem Bike Magazine - TransPyr 2013


Aqui fica um resumo daquele que foi a TransPyr 2013



O artigo na Bike Magazine de Outubro em Portugal:





E ainda a opinião dos vencedores sobre o evento e sobre a nossa prestação numa revista espanhola



quarta-feira, outubro 02, 2013

Grande Trail Serra d’Arga

Há umas semanas atrás estava entusiasmado com a ideia de me preparar dedicadamente para o Grande Trail Serra d’Arga (GTSA). Isto antes do Mongolia Bike Challenge (MBC) entrar no caminho e com isso a travessia do Gobi. No final do Tour du Mont Blanc fixei um objectivo de fazer 4.45h no GTSA e por isso mesmo indo à Mongólia, teria de treinar para este objectivo. 

Aos poucos a corrida foi-se desvanecendo da minha rotina diária devido aos intensos treinos na bicicleta e depois entrar no avião rumo à Ásia tornou-se ainda mais complicado correr. ‘’Lá longe’’ fiz ao todo 3 treinos de corrida, muito pouco. Assim que voltei a Portugal o meu corpo pedia descanso, pedia sossego, mas eu queria correr o GTSA. Com o organismo ainda todo trocado fiz alguns treinos curtos para diminuir a intensidade da ‘’marretada’’ que se estava aproximar a passos largos. 

O GTSA acontece em Dem, (Dem, não Dém para que se conste) uma pequena aldeia minhota no sopé da Serra d'Arga (SA) . Há cerca de um mês e meio fiz aqui o meu ultimo treino a sério de trail. Não conhecia a SA, fiquei a conhecer a dureza desta serra a nível de piso e de subidas. O Carlos tem um bom quintal para treinar, disso não há duvidas...
O outono chegou e com ele a chuva. Se o GTSA era duro em tempo seco, com chuva e vento a dureza aumentou consideravelmente. Na minha mente ainda alimentava o objectivo que me tinha proposto, 4.45h quando terminei o Tour du Mont Blanc, mas será que as minhas pernas iriam colaborar? Vamos a ver…

Assim que arrancamos tentei posicionar-me num grupo o mais à frente possivel. Conhecia o percurso, sabia que não podia abusar muito no inicio porque senão iria pagar a factura na segunda metade da prova. Senti o meu corpo a reclamar do tipo, ''que é isto?, estás louco? fazes 1 900km de bicicleta e agora queres correr a este ritmo?'' dei-lhe razão e abrandei. Depois veio a dor de burro e algumas cólicas, tinha mesmo de abrandar. Pensei que até era bom porque assim estava a poupar-me para a segunda metade da prova. 

Nas descidas perdia posições, nas subidas recuperava. Tinha receio de escorregar nas pedras então ia mais devagar. Ainda para mais depois de ver algumas quedas assustadoras...vi atletas a desaparecer nas poças de água que havia nos trilhos! Com o temporal que estava, a ''navegação'' nos trilhos tornou-se algo complicada. O percurso em alguns pontos suscitava duvidas porque o vento tombou as bandeiras e o nevoeiro dificultava a visualização das fitas. 

Uma das principais subidas da prova era da Aldeia do Cerquido para a Sra do Minho. Grande parte feita em calçada íngreme e quando lá passei fui ''abençoado'' com uma tamanha carga de chuva e vento que só mesmo com a ajuda divina eu consegui chegar à igreja.
Fiz tudo para andar o menos possivel a pé, quando não podia correr ia a trote e só mesmo em locais
muito inclinados ou quando havia muito ''tráfego'' no trilho é que caminhava. Esta subida do Cerquido era interminável, mas como consegui correr, recuperei bastantes lugares. No final da subida disseram-me que estava no TOP15. 

Continuei no meu ritmo, não me preocupando muito com a posição, mas sim em terminar a prova. Na corrida a qualquer momento o ''homem da marrreta'' pode-te atacar e deixa-te pregado. 
Quando já pensava na chegada a Dem, eu e outro atleta entramos no percurso da Caminhada. Descemos uma longa calçada até que alguém da organização nos disse que a nossa prova não era por ali. Não queria acreditar que tínhamos de fazer a subida novamente...desanimei e por coincidência o meu organismo obrigou-me a uma ''paragem''. 

Depois de regressarmos ao trilho, durante umas boas centenas de metros não encontramos nem fitas nem bandeiras e não havia atletas. Parei várias vezes para confirmar se estava no trilho certo, apenas me limitei a ir em frente até que finalmente vi uma bandeira e um pouco mais à frente encontrei um elemento da organização. Alertei-o para a situação e desci até Dem ''tranquilamente''... 

Finalizei o GTSA em 5.24h, não consegui fazer os 4.45h, mas estava feliz por ter terminado mais um desafio com 45Km e 5 000m de acumulado. Como alguém muito bem diz, é precisa muita resiliência no Trail Run, e este dia foi bem prova disso. A prova fica selada com um abraço do Carlos Sá. O que se passa na montanha, fica na montanha e agora à que pensar na próxima.

Depois do banho e do almoço, fui para a meta aplaudir os últimos atletas a chegar. Dou muito valor estes ''guerreiros'' que passam horas e horas a na montanha a sofrer. O ultimo atleta chegou com mais de 11h de prova!

Organizar eventos é sempre uma tarefa muito exigente e o GTSA não é excepção. Há que reconhecer o trabalho efectuado pelo Carlos, pela Desnível Positivo, por todos os voluntários e por toda a restante equipa da organização que certamente tudo fez para que a prova fosse um sucesso.

O jantar no já mítico restaurante ''Caracóis'' em Vila Praia de Ancora convivendo com o staff da prova foi a melhor maneira de fechar o dia...e com licor de mel!

Algumas notas:

Pela primeira vez corri de mochila, (obrigado André!) e nela levava comida suficiente para fazer a prova toda. Apenas parei no abastecimento na Sra. do Minho para abastecer com água, isto ao km 28. Durante os 45km apenas comi um gel e duas ''saquinhas'' de mel, o meu corpo não pediu mais...

A Serra d'Arga também foi fortemente castigada pelos incêndios. Conheci a serra quando ainda verde, vê-la assim deixou-me triste...é revoltante assistir ano após ano ao delapidar da nossa floresta e pouco ou nada se faz...

Depois do MIUT, voltei a correr com o amigo e treinador Tiago Aragão. Está uma máquina!

Já tenho um 'pontinho' para o UTMB...hummm...está aberta a ''época de caça'' aos pontos!

Obrigado ao Sampaio e ao Panda pela casa e boa disposição respectivamente! 

Fotos retiradas da internet. Obrigado aos fotografos pela partilha.

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