Esta será a descrição em primeira pessoa da travessia de um
dos maiores e inóspitos desertos do planeta, o Gobi. Foram centenas de kms em
solitário, dormindo com famílias nómadas, abrigado em Gers, contemplando as
dunas, ‘’conversando’’ com camelos e cavalos, resfriando o pensamento com vento
siberiano. Tentar descrever em palavras será complicado porque foi uma vivência
ao segundo, olhando o mundo de outra perspectiva. Leiam estes relatos de mente
aberta e flutuem pela vossa imaginação.
O Gobi ocupa um quinto do território da Mongólia e apesar de
ser um deserto, é um local de uma riqueza arqueológica fascinante. Aqui
encontrou-se o primeiro ovo de dinossauro e também os mais perfeitos fosseis
destes seres do passado. Para quem não sabe, arqueologia e historia é algo que também me desperta muito interesse.
A possibilidade de explorar o Gobi despertou em mim há umas
semanas atrás um efervescente e irresistível sentimento de partir à descoberta.
Algo que já não sentia há muito tempo e que vinha numa altura propícia da minha
vida. Para quem não sabe, eu adoro partir à descoberta.
Bom, atravessar países, continentes, montanhas é uma coisa,
atravessar um deserto é outra coisa bem diferente. A fasquia aumenta muito. É
algo que não sabia se estava preparado, mas esse sentimento irresistivelmente
apaixonante de descobrir um lugar totalmente novo em todos os aspectos
cativa-me loucamente.
Há cerca de 10 anos atrás seguia fielmente as crónicas do Sérgio
Tolosa numa revista espanhola que tanto me fazia vibrar e esperar
impacientemente pelo número seguinte. Sergio estava a atravessar os 7 maiores
desertos do mundo de bicicleta com um atrelado. Quando li o artigo sobre a
Mongólia e sobre o Gobi pedi que um dia me fosse concedida tal oportunidade.
Por incrível que pareça, este ano conheci o Sérgio durante a
TransPyr e poucas semanas depois imaginem onde é que eu estava? Nada acontece por acaso...
Mas atravessar um deserto depois de uma competição tão exigente
como a Mongolia Bike Challenge? Fiz essa pergunta a mim mesmo, pergunta retorica
diga-se, porque a resposta era simples e objectiva, SIM!
A questão que se colocava era como fazer a travessia dentro
do tempo que tinha disponível. O deserto é imenso, tem muito que ver e para mim
tudo era atractivo. Tinha que pedir ajuda a quem conhecia realmente o terreno.
Antes de começar a MBC dei o ‘’toque’’ ao Batbayar da Mongolia Expeditions e
que colabora com a prova. Apenas me disse ‘’ primeiro acaba a prova e depois
falamos. Não quero estar a gastar o meu tempo sem teres a certeza do que te
propões fazer no meu país…’’ durante semana de prova tentei concentrar-me nas
etapas e acima de tudo em sobreviver ileso para continuar a ‘’conversa’’ com o
Bat.
Assim que terminou a prova, procurei regressar de imediato a
Ulaanbaatar (UB) para ir ao encontro de Bat. Saí no primeiro transfer (às 04.00h) rumo ao aeroporto. Enquanto
fui ao WC a carrinha que me trouxe foi embora. Não sabia que eu queria era
ficar na cidade. Esperei no aeroporto que o Bat viesse entregar uma mala ao
português Daniel Jesus que apanhava o seu voo de regresso à europa nesse mesmo
dia. Isto não estava combinado, mas o Bat acabou por me dar boleia para a
cidade e demos inicio à preparação da viagem que se iria iniciar…no dia
seguinte.
Tendo em conta as premissas postas por mim a nível de tempo,
do que queria visitar e do que as minhas pernas poderiam dar, procuramos criar
um waypoint fazível. Olhando o
gigante mapa que tinha na parede do seu escritório, fui apontando os nomes das
cidades em inglês porque em Mongol nem sequer conseguia pronunciar. O alfabeto
Mongol utiliza caracteres totalmente diferentes, algo que se assemelha ao
Russo.
Para mim era tudo alcançável, mas Bat disse-me, ‘’Tu tens de
considerar a possibilidade que isto pode não correr tão bem quanto tu imaginas,
o Gobi é mesmo muito grande e se te perdes podes nunca mais ser encontrado’’.
Isto poderia assustar-me, mas o efeito era o contrário, estava obcecado no início
da aventura.
Bat conhece toda a Mongólia, faz expedições organizadas nos
mais exóticos locais do país. Isso dava-me mais alguma tranquilidade. Cedeu-me
os mapas que tinha, pintou a rota que eu deveria seguir e deu-me alguns concelhos.
Bat foi o meu ‘’anjo da guarda’’ desta aventura. Sempre aparece alguém no
caminho para o ‘’iluminar’’.
Havia duas possibilidades, ou saía a pedalar de UB e
arranjava forma de regressar no final da aventura, ou então saía de UB de avião
ou de bus. Depressa cheguei à conclusão que o melhor era sair de UB com tudo
embalado rumo ao deserto e depois regressar a pedalar. Se o avião demorava
1.30h a chegar a uma pequena cidade no Gobi, o bus demorava mais de 24h pelas
irregulares estradas da Mongólia. Procurei obviamente um bilhete de avião. Só à
terceira tentativa consegui o bilhete que era o ultimo lugar disponível. A
relação preço\rapidez da viagem era de longe superior ao desespero de viajar
durante 24h num autocarro.
Tinha que arranjar duas caixas, uma para a bicicleta e outra
para o resto da tralha (atrelado, roupa, comida, etc.) Com as indicações do Bat
fui ver se arranjava as tão necessárias caixas em lojas de bicicleta da cidade.
Assim aproveitava e tentava substituir o prato pequeno da minha pedaleira que
estava gasto e não tinha a ferramenta necessária.
As caixas consegui encontrar, agora a ferramenta é que não.
Ainda se tentou ‘’dar um jeito’’ mas a pedaleira não colaborou. Só pedia que
não houvesse muitas subidas íngremes porque ia sentir falta da avozinha.
Carregando as caixas às costas, atravessei a cidade até chegar ao hostel onde
estava alojado. As minhas costas e os meus braços que me perdoem…
Próximo passo, comprar comida. Fiz 3 voos até chegar à Mongólia.
No último que ligava Pequim a UB detectaram as garrafas de gás do fogão que levaria
para cozinhar comida. Primeiro pensamento foi arranjar outras garrafas na
cidade, mas depois pensei, talvez vá acontecer a mesma coisa neste voo entre UB
e o Gobi portanto não vale a pena gastar tugriks (moeda mongol). Levo comida
‘’fria’’ e se precisar de água quente para os cup noddles (massa instantânea
que é necessário juntar água quente para preparar) eu irei arranjar algures… no
deserto.
Utilizando a minha experiência de outras aventuras,
seleccionei criteriosamente os alimentos para me tornar autónomo durante pelo
menos 3 dias no deserto (pensava eu). A lista incluía pão, atum, cup
noodles…gomas, chocolates, nutella Mongol, bolachas e mel.
Antes de fazer a mala, ainda houve tempo para um convívio de despedida com muita ''hidratação'' no Irish Pub com os atletas que participaram na MBC. Todos eles ficaram a saber dos meus planos e se uns estavam roídos de inveja, outros já não podiam ver a bicicleta à frente! Depois de uma intensa batalha num dos quartos do hostel para
seleccionar o que levaria ou não levaria e que só terminou à meia-noite, estava
com as malas feitas para ir à conquista do Gobi.
Este foi o primeiro dia de uma intensa aventura que irei
partilhar com vocês.
Aguardem as cenas dos próximos capítulos que prometem ser
intensos!
Mais fotos na minha página de atleta no Facebook: https://www.facebook.com/marinhojoao
Gobi? A sério..? Fodasse, tu és mais campeão do que eu pensava.
ResponderEliminarE eu cheio de duvidas para fazer a Costa Mediterrânea. ;)
Livro, quando?
:) A Costa Italiana também deve ser uma aventura lindíssima!
EliminarA verdadeira diversão começa no after-hours :)
ResponderEliminarGrande João
Fantástico!!
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