quinta-feira, outubro 03, 2013

Travessia do Gobi - Dia 0



Esta será a descrição em primeira pessoa da travessia de um dos maiores e inóspitos desertos do planeta, o Gobi. Foram centenas de kms em solitário, dormindo com famílias nómadas, abrigado em Gers, contemplando as dunas, ‘’conversando’’ com camelos e cavalos, resfriando o pensamento com vento siberiano. Tentar descrever em palavras será complicado porque foi uma vivência ao segundo, olhando o mundo de outra perspectiva. Leiam estes relatos de mente aberta e flutuem pela vossa imaginação. 

O Gobi ocupa um quinto do território da Mongólia e apesar de ser um deserto, é um local de uma riqueza arqueológica fascinante. Aqui encontrou-se o primeiro ovo de dinossauro e também os mais perfeitos fosseis destes seres do passado. Para quem não sabe, arqueologia e historia é algo que também me desperta muito interesse. 

A possibilidade de explorar o Gobi despertou em mim há umas semanas atrás um efervescente e irresistível sentimento de partir à descoberta. Algo que já não sentia há muito tempo e que vinha numa altura propícia da minha vida. Para quem não sabe, eu adoro partir à descoberta.
Bom, atravessar países, continentes, montanhas é uma coisa, atravessar um deserto é outra coisa bem diferente. A fasquia aumenta muito. É algo que não sabia se estava preparado, mas esse sentimento irresistivelmente apaixonante de descobrir um lugar totalmente novo em todos os aspectos cativa-me loucamente. 

Há cerca de 10 anos atrás seguia fielmente as crónicas do Sérgio Tolosa numa revista espanhola que tanto me fazia vibrar e esperar impacientemente pelo número seguinte. Sergio estava a atravessar os 7 maiores desertos do mundo de bicicleta com um atrelado. Quando li o artigo sobre a Mongólia e sobre o Gobi pedi que um dia me fosse concedida tal oportunidade.

Por incrível que pareça, este ano conheci o Sérgio durante a TransPyr e poucas semanas depois imaginem onde é que eu estava? Nada acontece por acaso...

Mas atravessar um deserto depois de uma competição tão exigente como a Mongolia Bike Challenge? Fiz essa pergunta a mim mesmo, pergunta retorica diga-se, porque a resposta era simples e objectiva, SIM! 

A questão que se colocava era como fazer a travessia dentro do tempo que tinha disponível. O deserto é imenso, tem muito que ver e para mim tudo era atractivo. Tinha que pedir ajuda a quem conhecia realmente o terreno. Antes de começar a MBC dei o ‘’toque’’ ao Batbayar da Mongolia Expeditions e que colabora com a prova. Apenas me disse ‘’ primeiro acaba a prova e depois falamos. Não quero estar a gastar o meu tempo sem teres a certeza do que te propões fazer no meu país…’’ durante semana de prova tentei concentrar-me nas etapas e acima de tudo em sobreviver ileso para continuar a ‘’conversa’’ com o Bat. 

Assim que terminou a prova, procurei regressar de imediato a Ulaanbaatar (UB) para ir ao encontro de Bat. Saí no primeiro transfer (às 04.00h) rumo ao aeroporto. Enquanto fui ao WC a carrinha que me trouxe foi embora. Não sabia que eu queria era ficar na cidade. Esperei no aeroporto que o Bat viesse entregar uma mala ao português Daniel Jesus que apanhava o seu voo de regresso à europa nesse mesmo dia. Isto não estava combinado, mas o Bat acabou por me dar boleia para a cidade e demos inicio à preparação da viagem que se iria iniciar…no dia seguinte. 

Tendo em conta as premissas postas por mim a nível de tempo, do que queria visitar e do que as minhas pernas poderiam dar, procuramos criar um waypoint fazível. Olhando o gigante mapa que tinha na parede do seu escritório, fui apontando os nomes das cidades em inglês porque em Mongol nem sequer conseguia pronunciar. O alfabeto Mongol utiliza caracteres totalmente diferentes, algo que se assemelha ao Russo. 

Para mim era tudo alcançável, mas Bat disse-me, ‘’Tu tens de considerar a possibilidade que isto pode não correr tão bem quanto tu imaginas, o Gobi é mesmo muito grande e se te perdes podes nunca mais ser encontrado’’. Isto poderia assustar-me, mas o efeito era o contrário, estava obcecado no início da aventura. 

Bat conhece toda a Mongólia, faz expedições organizadas nos mais exóticos locais do país. Isso dava-me mais alguma tranquilidade. Cedeu-me os mapas que tinha, pintou a rota que eu deveria seguir e deu-me alguns concelhos. Bat foi o meu ‘’anjo da guarda’’ desta aventura. Sempre aparece alguém no caminho para o ‘’iluminar’’.  

Havia duas possibilidades, ou saía a pedalar de UB e arranjava forma de regressar no final da aventura, ou então saía de UB de avião ou de bus. Depressa cheguei à conclusão que o melhor era sair de UB com tudo embalado rumo ao deserto e depois regressar a pedalar. Se o avião demorava 1.30h a chegar a uma pequena cidade no Gobi, o bus demorava mais de 24h pelas irregulares estradas da Mongólia. Procurei obviamente um bilhete de avião. Só à terceira tentativa consegui o bilhete que era o ultimo lugar disponível. A relação preço\rapidez da viagem era de longe superior ao desespero de viajar durante 24h num autocarro. 

Tinha que arranjar duas caixas, uma para a bicicleta e outra para o resto da tralha (atrelado, roupa, comida, etc.) Com as indicações do Bat fui ver se arranjava as tão necessárias caixas em lojas de bicicleta da cidade. Assim aproveitava e tentava substituir o prato pequeno da minha pedaleira que estava gasto e não tinha a ferramenta necessária. 

As caixas consegui encontrar, agora a ferramenta é que não. Ainda se tentou ‘’dar um jeito’’ mas a pedaleira não colaborou. Só pedia que não houvesse muitas subidas íngremes porque ia sentir falta da avozinha. Carregando as caixas às costas, atravessei a cidade até chegar ao hostel onde estava alojado. As minhas costas e os meus braços que me perdoem…

Próximo passo, comprar comida. Fiz 3 voos até chegar à Mongólia. No último que ligava Pequim a UB detectaram as garrafas de gás do fogão que levaria para cozinhar comida. Primeiro pensamento foi arranjar outras garrafas na cidade, mas depois pensei, talvez vá acontecer a mesma coisa neste voo entre UB e o Gobi portanto não vale a pena gastar tugriks (moeda mongol). Levo comida ‘’fria’’ e se precisar de água quente para os cup noddles (massa instantânea que é necessário juntar água quente para preparar) eu irei arranjar algures… no deserto. 

Utilizando a minha experiência de outras aventuras, seleccionei criteriosamente os alimentos para me tornar autónomo durante pelo menos 3 dias no deserto (pensava eu). A lista incluía pão, atum, cup noodles…gomas, chocolates, nutella Mongol, bolachas e mel.

Antes de fazer a mala, ainda houve tempo para um convívio de despedida com muita ''hidratação'' no Irish Pub com os atletas que participaram na MBC. Todos eles ficaram a saber dos meus planos e se uns estavam roídos de inveja, outros já não podiam ver a bicicleta à frente! Depois de uma intensa batalha num dos quartos do hostel para seleccionar o que levaria ou não levaria e que só terminou à meia-noite, estava com as malas feitas para ir à conquista do Gobi.  

Este foi o primeiro dia de uma intensa aventura que irei partilhar com vocês. 

Aguardem as cenas dos próximos capítulos que prometem ser intensos! 

Mais fotos na minha página de atleta no Facebook: https://www.facebook.com/marinhojoao






4 comentários :

  1. Gobi? A sério..? Fodasse, tu és mais campeão do que eu pensava.
    E eu cheio de duvidas para fazer a Costa Mediterrânea. ;)
    Livro, quando?

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    1. :) A Costa Italiana também deve ser uma aventura lindíssima!

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  2. A verdadeira diversão começa no after-hours :)
    Grande João

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João Marinho
Mountain biker, trail runner & adventure sports addict