domingo, junho 29, 2014

Lavaredo Ultra Trail - Report

Intensidade

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Fernando Pessoa  

Uma única palavra descreve o que vivi durante o dia de ontem - Intenso. 

(Some of these photos were downloaded from Lavaredo Ultra Trail facebook page. Thanks to organization for allow me to use these photos on this website with Nexplore watermark)

O Trail é um desporto que cada vez mais me deslumbra e porquê? Porque nos permite viver emoções únicas na montanha, que nos leva onde nenhum outro desporto de competição consegue, que nos permite superar as nossas capacidades físicas e psicológicas, muito além do que julgávamos ser capazes. 

O Lavaredo Ultra Trail (LUT) é mágico. O percurso percorre o Parque Nacional das Dolomitas, património da Humanidade nos Alpes Italianos. As Dolomitas são montanhas gigantes de pedra com milhares de metros de altura, uma verdadeira obra prima da mãe Natureza.
Uma prova com 52 nacionalidades representadas, vindas dos 5 continentes.

A saída do centro de Cortina às 23h arrepiou. Aquelas centenas de atletas com olhares de introspecção imaginando certamente o que iriam viver ao longo dos próximos 120km e quase 12 000m de desnível acumulado. Depressa estamos entregues às montanhas. Depressa também os únicos ruídos que se ouvem são o bater das sapatilhas e o nosso coração a bater. 









Do alto das montanhas conseguimos ver a fila de luzes dos atletas que fazem o percurso. É algo ímpar.

O meu objectivo central era terminar a prova levasse o tempo que fosse preciso tendo em conta as vicissitudes prévias a esta prova e que descrevi na antevisão. Dois meses após o MIUT e apesar de não me encontrar na forma física que eu desejava, tinha de completar mais este desafio.

Mas caramba João, porquê é que arrancaste feito louco? pensando que estavas treinado para este percurso e que as costas e os músculos iriam permitir-te ritmos elevados? hein? Responde João...

Até ao Km 30 o meu ritmo foi demasiado elevado. Demolidor para as pernas e para as costas. Senti isso mesmo, mas não queria pensar, estava a viver o momento e que momentos. 
Mas depois comecei a abrandar, não tive outro remédio e era se queria acabar a prova. A estratégia era esperar que o dia nascesse e esperar que organismo de certa forma 'renascesse'. 
Desliguei o chip da competição e liguei o da curtição. Contemplar a paisagem, conversar com outros atletas, registar a paisagem e focar no objectivo - terminar! e ainda faltavam 90Km...Alguns provavelmente não compreendem esta decisão ainda por cima de alguém que luta pela melhor classificação possível. Aquilo que vos digo é se aceitam desafios, temos de os encarar até ao fim. Pode doer (e doeu), pode ser ter consequências na recuperação (mais demorada), pode provocar lesões (espero que não), mas eu não consigo viver com o pensamento que desistir de algo, que deixei algo a meio. Ou é até ao fim ou então não vale a pena sequer começar.

O dia nasceu na subida para o Refugio de Lavaredo  ao Km 48. A imponente e destrutiva subida exigiu muito dos atletas, mas à medida que ganhávamos altitude, a paisagem ficava cada vez mais impressionante. As montanhas perdiam-se de vista. 

No Refugio encontrei a Manuela Vilaseca, amiga Brasileira que conheci na TransPortugal 2007 e que agora está no top mundial do Trail. Que bom voltar a ver você Manu! 

Parei bastante neste refugio, destaco a quantidade de comida que aqui havia. Destaco também a sopa à base de massa que me ressuscitou...e a Nutella! Quando saí para voltar a correr sinto a falta dos bastões, voltei para trás e tinha chegado o Pedro Gonçalves. Daí para a frente fizemos a prova quase sempre juntos. O Pedro tem apenas no currículo provas como o UTMB, MDS, Ronda, Zegama, etc. e está a preparar-se para o Tour du Geant em Setembro. Um companheiro experiente nestas andanças.








Os 'Tre Cime di Lavaredo' são ícones da região o percurso circundava estas três megalíticas montanhas. O que os nossos olhos contemplavam não vos consigo transmitir em palavras. Que visual...
Uma palavra de agradecimento aos voluntários que abriram\escavaram o trilho que nos permitiu passar neste local. 
Seguiu-se uma interminável descida técnica que foi dar a uma parte que já conhecia do Mundial de Maratonas em 2008. Como foi bom lá ter passado de bike na altura. Era um falso plano com rectas também elas intermináveis que a correr fizeram-nos penar e muito. 
Por uns breves kms separei-me do Pedro, mas cheguei depressa à conclusão que juntos éramos mais forte. Sentei-me ao lado do trilho e esperei por ele. Enquanto isso, dormi um pouco. Estava sol, uma erva maravilhosa a servir de cama e uma montanha mesmo virada para mim. Mal fechava os olhos, adormecia, coisa que demorava 2 segundos, e começava logo a sonhar. Nas ultimas duas semanas foram muitas as noites mal dormidas, algumas sem dormir mesmo e o corpo ressentiu-se...




Acordei com o Pedro e seguimos os dois juntos. Ele não estava bem do estômago, por isso foi muito importante para ambos estarmos juntos. Agradeço-te Pedro, toda a ajuda ao longo desta aventura. Sem a tua companhia seria muito mais difícil chegar ao fim. Muito nos rimos e muito nos vamos rir com o que vivemos.

Ao longo de todo o trilho havia algo para contemplar. Eu o Pedro já fizemos o percurso do Ultra Trail of Mont Blanc e partilhamos a mesma opinião, o LUT é mais bonito e mais ''agressivo''. Então entre o Km 75 e 90 onde estava a principal subida do LUT o trilho que presenciamos era verdadeiramente arrepiante. Um trilho ao longo de uma vale com rios alimentados pela a neve que derretia nas montanhas e que formava cascatas, onde nos fez sentir a nossa dimensão perante a natureza. Somo muito pequenos. A nossa cabeça tinha de inclinar-se completamente para o céu para ver o cume da montanha de pedra.














Este trilho tinha algumas passagens por cursos de água. Assistimos a algo engraçado. Atletas a tirar as sapatilhas e as meias para passar...se fizeram isto até ao final foi uma rotina muito repetitiva...

Quando passamos os 2000m de altitude o Pedro ressentiu-se, então foi a vez de ele parar e dormir um pouco. Em poucos segundos estava a dormir...a táctica era colocar o temporizador para despertar passados uns minutos não fossemos nós ficar ali a dormir até ''tarde''.

Os últimos 30Km dariam para fazer uma prova com 2 500m de desnível positivo e com trilhos bastante exigentes. Agora imaginem fazer isto já com 90Km nas pernas...Foi muita dureza concentrada nesta parte que exigiu de nós o que ainda tínhamos e não tínhamos para chegar a Cortina.

Ao fim de 22h vejo a Torre da Igreja de Cortina do topo da montanha. Estava ali a meta. Estava ali o fim da aventura LUT. O mapa de altimetria impresso no frontal pegou-nos muitas surpresas. Tivemos até pequenas discussões se já tínhamos passado alguns dos picos que teimavam a preencher o percurso. Mesmo na ''descida'' para Cortina eles marcaram presença.






Depois de quase 24h e 120Km de ''corrida'', de uma enorme aventura e experiência vivida com muita resiliência, perseverança, tenacidade e superação regressamos a Cortina. As ultimas centenas de metros dentro da cidade, já com o pórtico de meta à vista, com os aplausos de que quem assistir, agarrados à bandeira nacional emocionou-nos e ficarão retidos para sempre na memória.

A minha época de Trail Run 2014 está assim praticamente encerrada (penso eu), volto agora novamente ao MTB. Tenho de preparar o Ironbike para daqui a um mês. Ainda não sei bem como, mas é o tempo que tenho para uma das mais respeitadas clássicas provas por etapas no mundo. Em seis meses foram quatro ultra-maratonas, duas delas com três dígitos (mais de 100km). Termino a época em Cortina d'Ampezzo. Foi o culminar de algo que há um ano atrás nem sequer sonhava. Dedicar-me ao Trail e fazer provas com esta dimensão...Agradeço ao meu irmão por tudo o que tem feito por mim.

Agradeço à TMG - Hélder Monteiro, a todo o staff que me tratou para estar presente no LUT. As costas estão impecáveis e prontas para treinar para o Ironbike. Agradeço também ao Edmundo Ribeiro e ao Dr. Eduardo Filipe pelo que fizeram por mim em tão pouco tempo. Tiago, (Aragão), lamento não ter cumprido o plano de treinos, mas daqui em diante será ''certinho'' :)

Os vencedores da prova foram dois americanos. O inconfundível Anton Kruprika e a Rory Bosio. Eles não correram, mas voaram nestes trilhos fazendo uma média de 10km\h!
Agradeço aos companheiros de aventura, os que viajaram de Portugal, os que conheci nos trilhos e todos aqueles que abrilhantaram estes dias.

Felicito todos os Portugueses que se desafiaram nesta dura prova e que cumpriram com os seus objectivos. É daquelas provas que todos nós Trail Runners (desportivas de aventura em geral) devemos fazer uma vez na vida. Mas não se esqueçam de se preparar ou então a montanha cobra.
Um abraço a todos os companheiros da Desnível Positivo que competiram diversas frentes - Maratona do Mont Blanc, Grand Trail de Peñalara e no Trail de Camiños do Trega na Galiza.
Por ultimo, um palavra de força para o Fredrico Esteves e para o André Amorim que à ultima da hora ficaram arredados da competição. 







Mais fotos na minha página de atleta no Facebook:

www.facebook.com/marinhojoao

Antevisão da prova: 
http://www.joaomarinho.com/2014/06/de-volta-competicao-lavaredo-ultra-trail.html?showComment=1403885265259#c1221187536656653411

quinta-feira, junho 26, 2014

De volta à competição - Lavaredo Ultra-Trail



Já passou um tempinho desde a minha última publicação e também desde a minha última competição. Desde então foquei-me em projectos profissionais da Nexplore, nomeadamente o Réccua Douro Ultra Trail e o Mountain Quest. Este ultimo realizou-se no passado fim de semana e pelo feedback dos participantes, todo este trabalho valeu a pena. 

O meu site poderia ser uma copia do que escrevi no site do Mountain Quest, mas apenas vos deixo aqui alguns links para algumas publicações, assim como algumas fotos. A restante informações pode ser lida no site. 



A minha época tem sido uma alternância entre provas de BTT e Trail Run. Não é fácil dividir o tempo para ambas as modalidades. Esta época é uma experiência ao nível de conciliar as duas e ver como o corpo reage, sabendo de antemão que seria muito desafiante competir nos lugares da frente. Estou em paz com essa minha decisão, dou o meu melhor, tendo sempre em mente que o objectivo número um é completar a competição. As pessoas que me acompanham estranham ver-me em lugares pouco habituais para mim. A minha mensagem para elas é que eu continuo a divertir-me independentemente dos resultados, mas agradeço todo o vosso apoio e espero que continuem a torcer por mim. 

No meio da azafama de preparação do Mountain Quest aconteceu algo que nunca me tinha acontecido. Uma queda muito feia que me retirou a possibilidade de treinar, além do mais, esta queda obrigo a uma evacuação do local pelo INEM e uma visita ao Hospital. Tudo isto aconteceu quando estava num reconhecimento do Mountain Quest na Serra da Aboboreira, juntamente com o Ismael. Na ultima descida em terra já próximo do Alto de Quintela, perdi o controlo da bicicleta e voei, até aterrar com as costas num muro de pedra e sair projectado novamente para o trilho. 




A primeira reacção foi mexer os membros do corpo, apesar de estar bastante raspado parecia que estava tudo operacional. A cabeça também mexia e os dedos também. Por-me a pé era o próximo passo. Primeiro retirei a máquina fotográfica que levava no bolso das costas…vejo que está completamente partida. A máquina ficou prensada entre o muro e as minhas costas. Sentia de facto um dor que cada vez se tornava mais intensa. O Ismael preocupado já queria chamar o INEM, eu pedi para aguardar uns momentos. Tento levantar-me com a ajuda dele, contorcendo-me em dores. Consigo pôr-me a pé mas sinto tonturas e vómitos e caio de imediato no chão. O Ismael faz umas chamadas e depressa tenho à minha volta o INEM e outros amigos que se deslocaram até ao local. Os bombeiros imobilizam-me, colocando um plano duro e algo em volta da cabeça para me transportar até ao Hospital e fazer exames.
Foi uma estreia em viagens de ambulância, mas como se diz, quem anda à chuva molha-se e um dia isto iria acontecer.
Cheguei ao Hospital, passei pela triagem e segui para os exames e posterior tratamento das escoriações provocadas pela queda. Segundo o que médico viu, não tinha nada partido. Mas a dor que sentia alarmava-me. 


Com o passar dos dias a dor intensificou. Houve um dia que não me consegui deitar na cama porque não conseguia fazer o movimento necessário. Esperei uns quatro dias até que comecei a falar com algumas pessoas amigas para fazer mais exames e tratamentos.
O Hélder Monteiro da TMG Terapias assustou-se quando me viu pela primeira vez. Só com ajuda dele é que me consegui colocar na marquesa. Pela análise dele também não tinha nada partido. Tinha que fazer muita fisioterapia na TMG. 

Assim foi, com apenas duas semanas para uma prova de Trail de 120Km iniciei as sessões de fisioterapia. A recuperação tinha de ser rápida porque eu mal podia caminhar, quando mais correr. Após as primeiras sessões sentia um alívio, mas a dor voltava. Estava preocupado, muito preocupado, não só pela competição, mas por causa do Mountain Quest. Assim como estava, não podia fazer praticamente nada. Não podia estar sentado e de pé passado algum tempo a dor era insuportável. 
No meio desta preocupação falei com o Edmundo Ribeiro da Clínica Médica da Foz. Preocupado comigo, levou-me o Dr. Eduardo Filipe, especialista em acupunctura. A zona do impacto foi literalmente furada por várias agulhas ligadas a uma corrente eléctrica. Até suava das dores…saí de lá com uma certeza que passado 24h iria estar muito melhor. 



As 24h passaram, voltei ao cuidados da TMG e sentia de facto melhorias. Ainda não conseguia correr nem pedalar, mas já caminhava mais ou menos direito. Numa primeira fase foi bom para o Mountain Quest. Passei o evento a trabalhar, apesar de algumas limitações. Depois mais dois tratamentos na TMG e estou agora a caminho de Cortina d'Ampezzo nos Dolomites para daqui a pouco mais de 24h começar o Lavaredo Ultra Trail.
Nem dá para acreditar que consigo transportar as malas, que consigo correr para apanhar o transfere e muitas outras coisas que antes não conseguia.
Não há palavras para expressar a alegria que sinto e a gratidão para com aqueles que me ajudaram nesta recuperação. 




O objectivo central continua valido, TERMINAR. Obviamente que 4 semanas sem treinar deixam mossa. Mas entre participar e não participar, nem preciso de dizer qual foi a minha decisão.
Esta competição integra-se também numa perspectiva de promoção do Réccua Douro Ultra Trail. Sendo importante para a Nexplore ter uma experiência internacional em Trail Run numa prova do World Tour.
Volto assim aos Dolomites depois de cá ter estado em 2008, representado as cores da Selecção Nacional no Mundialde Maratonas. Recordo-me que a distância foi cerca de 120Km, aproximadamente a mesma distância da prova deste fim-de-semana. A diferença é que fiz esses 120Km a pedalar e desta vez irei os fazer a correr...
Espera-se um bom ambiente não só com todos os atletas presentes vindos de todo o mundo, mas entre os amigos da Desnível Positivo onde me integro.

A prova arranca às 00.00h de Sábado do centro de Cortina d'Ampezzo. 









São vários os elementos que marcam presença nas diversas provas do Lavaredo Ultra Trail. Um dos elementos que estaria também presente era o André Amorim. Ele que vibrava com esta prova como poucos. Queria muito estar presente, mas devido a uma complicação de saúde não vai poder estar. André, estamos todos contigo. Muita força amigo!



As previsões meteorológicas não nada favoráveis, contrastando com o que senti na visita (de médico) que fiz a Veneza enquanto esperava o transfere para Cortina. Arrisco-me a dizer que finalmente conheci esta maravilha. Já estive perto várias vezes, mas sempre me escapou. Considero-me um apaixonado por Itália, pela arquitectura, pela gastronomia e por muitas outras coisas. Deambular pelas ruelas, pelos quelhos, pelos canais, pelas praças, pelos monumentos…fez-me sentir uma pessoa verdadeira privilegiada e feliz.






Agora é preparar tudo para amanhã arrancar. As vossas mensagens de apoio serão certamente bem-vindas, não só por mim, mas por todo o grupo de Portugueses presente.

Grato pelo vosso apoio.