Ontem quando cheguei à meta ao início da tarde, estava calor
e ainda fui arrefecer as pernas ao rio. Ao final da tarde o tempo começou a
mudar e a temperatura baixou consideravelmente.
Durante a noite ouvia-se a chuva a cair impiedosamente na cobertura do
Ger. Mesmo dormindo vestido senti muito frio. De manhã quando acordei apesar da
chuva ter parado, o frio e o vento continuavam. Vesti tudo o que tinha de mais
quente, mas mesmo assim continuava gelado. A partida foi dada às 7.30h, o sol
escondia-se atrás das nuvens a temperatura não subiu. Após 200m atravessamos o
primeiro rio, tentei escolher uma trajectória que me permitisse molhar pouco os
pés. Não serviu de nada, os rios e as poças de água foram uma constante. Alguns
deles com água pela cintura…Os meus pés estavam tipo pedras, as mãos estavam
ligeiramente melhores, mas o corpo não aquecia de maneira nenhuma. Os reflexos
nestas condições são bem mais lentos e quando fugia de uma poça acabei por me
estatelar no chão, felizmente sem consequências.
Ao 3º dia o meu corpo continua a dar sinais de melhoria e
consigo aguentar o ritmo do grupo da frente. A etapa de hoje era mais ao meu
jeito, menos rolante, mais técnica e estava com esperança de melhorar a minha
classificação. Actualmente estou na 10ª posição. Depois da primeira montanha, a
organização decide terminar com a etapa devido ao caudal de um rio que não
permitia que se atravessasse. O gps marcava 41km.
Antes disso já tínhamos passado por verdadeiros pântanos
onde as carrinhas da organização tinham ficado atoladas na lama. Era impossível
continuar com a prova. No ponto onde a etapa terminou, estavam duas carrinhas
para onde entramos porque o frio era tanto que não se aguentava parado.
Esperávamos por notícias sobre o que iria suceder. Ninguém sabia. Depois
obrigaram-nos a sair da carrinha, a nossa reacção foi procurar um abrigo usado
pelo gado até chegarem notícias. O grupo de atletas era cada vez maior e todos
passando muito frio. Mandaram-nos fazer o caminho de volta, supostamente seria
10km (foram mais de 25Km), até encontrarmos abrigo em Ger’s de famílias
nómadas. Atravessamos novamente os rios, os pântanos, descemos a montanha até
finalmente chegarmos aos Ger’s. Entramos de imediato e acomodar-nos à volta do
fogão a lenha para aquecermos. Os meus pés estavam completamente congelados, quando
tirei as sapatilhas e as meias, as unhas estavam a ficar pretas. Aos poucos
comecei a aquecer e ficamos ali novamente à espera de notícias.
Ninguém sabia o
que iria acontecer inicialmente, o objectivo era que os atletas se protegessem
do frio. Alguém que estava a acompanhar a prova disse que a poucas centenas de
metros de onde estávamos, já havia neve. A bondosa família nómada além de ceder
os Ger’s para os atletas, distribuiu chã, leite, massa e sopa.
Teríamos de esperar até que todas as carrinhas da organização
chegassem aquele local. Nessa altura o director de prova daria indicações.
Depois de algumas horas à espera, dizem-nos que vamos ser evacuados até ao
acampamento da chegada da etapa. De carrinha iria demorar cerca de 1.30h, mas a
viagem demorou mais de 4h em caminhos rasgados pelo meio da estepe.
O comboio de viaturas prolongava-se no horizonte. Nem todos
os atletas foram evacuados na primeira vaga, foi preciso enviar carrinhas que
estavam na meta para ir buscar quem sobrava. As bicicletas também ficaram para
trás. A organização mandou os camiões que transportavam as nossas malas e que
também estavam na meta, resgatar as nossas bicicletas.
Tinha o track da etapa carregado no gps, liguei para
verificar se ainda faltava muito. Como já andávamos há 2h e nos foi dito que
era 1.30h pensei que já estivéssemos perto. Tive que colocar a escala a 20km
para conseguir observar o ponto onde terminava o track…
A meio do caminho entravamos numa estrada nacional onde o
comboio parou para abastecer. Tudo o que era de comer foi tomado de assalto,
estávamos todos esfomeados.
Depois destes kms em estrada voltamos aos estradões na
estepe. Com uma velocidade por vezes superior a 60km\h, a competição deixou de
ser de bicicletas e passou a ser de carrinhas. As ultrapassagens sucediam-se,
muitas das vezes sem caminho o que resultou em amortecedores partidos…
Com um por do sol magistral chegamos ao acampamento. Não
havia sinal de civilização nas redondezas. Assim que saímos das carrinhas
procuramos a nossa mala, vestimo-nos e fomos directos para o jantar. Ninguém
quis tomar banho.
A noite caiu, os atletas foram chegando, alguns a passar
realmente mal, em vómitos, em hipotermia, com vários outros sintomas que apenas
demonstram que a MBC não é um desafio para ser tomado de ânimo leve.
Enquanto jantávamos comentou-se que estavam 10 atletas
desaparecidos, só espero que estejam em algum Ger porque senão...
Não sei como vou conseguir dormir na tenda, está um frio de
rachar, tenho quase toda a roupa vestida e o meu saco cama não é dos mais
quentes…desejem-me sorte!
O plano para amanhã passa apenas por acordar às 07.00h para
tomar o pequeno almoço e depois saberemos o que irá acontecer…
João Marinho
NOTA: Irei publicar um relato por dia ao longo dos próximos 7 dias.
Atenção que esta prova aconteceu entre 1 e 8 de Setembro, mas não tive
oportunidade de colocar os relatos online antes.
Mais fotos na minha página de atleta no Face Book: www.facebook.com/marinhojoao
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João Marinho
Mountain biker, trail runner & adventure sports addict