domingo, outubro 19, 2014

Travessia do Deserto do Gobi - Acolhimento Nómada

Final da tarde, a temperatura baixava abruptamente. Enquanto assistia deslumbrado a mais um esplêndido pôr do sol,  reflectia sobre como iria descansar. Tinha ''apenas'' 100Kms nas pernas, estava particularmente cansado. Durante grande parte do dia travei uma batalha contra o vento. A média de deslocação não passava os 7km\h, manter o equilíbrio em cima da bicicleta foi o objectivo.

Decidi continuar pedalar um pouco mais. Não queria montar a tenda, mas a luz do dia era cada vez menos. Tinha esperança de poder encontrar alguma família nómada que me pudesse acolher. 

Os Gers que conseguia ainda visualizar estavam afastados do estradão, não sabia se eram habitados ou apenas abrigo para os animais. Estava quase de noite quando vi um grande rebanho a ser guiado para uma pequena colina onde estavam dois Gers. Decidi seguir esse rebanho. Lentamente pedalei com o rebanho para não assustar os animais. 

Chego aos Gers encontro pessoas que olham para mim, para a minha bicicleta e atrelado com curiosidade. Mas continuam na sua tarefa de agrupar o rebanho numa cerca. Os mais novos ainda fazem a ordenha. Os sorrisos, os gemidos das cabras e as palavras entoam pela colina. Assistia e esperava que se dirigissem a mim para pedir se podia pernoitar com a família. 

A quantidade de cabeças de gado, a motorizada à porta e o painel solar denunciava que esta família vivia ''acima da média'' comparativamente ao que tinha encontrado nos dias anteriores. 

Pedi para dormir utilizando a linguagem gestual. Falaram entre eles. Não me disseram que não. Percebi que estavam à procura de solução entre toda família. Chamaram-me para um Ger onde o patriarca dormia. Estava preparado para dormir no chão, mas disponibilizaram-me uma cama. 

Estes Gers funcionam como sala, cozinha e quarto. São feitos de madeira e peles de animais. Ao centro tem um fogão onde fervem o leite e aquecem o espaço. Transmitia agradecimento pelo que acabaram de fazer por mim. Ainda não percebendo que estavam a preparar jantar para mim. Massa com carne de cavalo feita por uma senhora. 

Enquanto isso o patriarca fervia leite repetindo o mesmo movimento. Com a colher mexia o  leite, subindo depois e vertendo em seguida para o pote. 

A massa estava deliciosa e a carne saborosa. Já não tinha uma refeição assim desde que deixei Ulanbator.  No final ainda tive direito a bolachas de um surtido que percebi que apenas era usado em ocasiões especiais. Ofereci o que tinha, bolachas, bolo e frutos secos. Antes de descansarmos ligou por breves minutos a televisão. Aqui a electricidade é obtida através de painel solar e 'armazenada'' numa bateria. Não há frigorífico, nem outros electrodomésticos. Apenas uma lâmpada e uma televisão.

Moram no deserto, vivem com o que terra lhes dá, ninguém sabe que existem. Não há caixa de correio, não há telefone, vivem por conta própria. São médicos deles próprios. Do mundo pouco ou nada conhecem, mas que tratam desconhecidos como família. Evoluímos em muitas coisas, mas muito temos a aprender com gente assim. 

Mongólia - Deserto do Gobi - Agosto 2013


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João Marinho
Mountain biker, trail runner & adventure sports addict